ACNE
A acne é uma doença inflamatória crônica dos folículos pilossebáceos, em particular da face e tronco superior, que acomete especialmente os adolescentes. É caracterizada pela presença de comedões (cravos abertos ou fechados), pápulas eritematosas e pústulas (espinhas) e, mais raramente, por nódulos, pseudocistos e cicatrizes. Há significativa morbidade física e psicológica sobretudo nos casos graves da doença.
Cerca de 90% dos adolescentes, aos 16 anos, têm alguma forma de acne. É mais precoce e mais frequente no sexo feminino, onde o pico de incidência e severidade ocorre entre os 14 e 17 anos. No sexo masculino isto acontece entre os 16 e 19 anos. As formas severas da acne são mais observadas no sexo masculino. A acne pós-adolescência afeta predominantemente mulheres (acne da mulher adulta), em contraste com a forma adolescente que predomina entre os homens.
Quanto a etiopatogenia da doença, são relevantes os seguintes fatores:
Transtorno da queratinização: A hiperqueratinização dos ductos cutâneos é a lesão básica para a formação dos comedões (cravos abertos/brancos e fechados/escuros), e decorrente da hiperproliferação dos ceratinócitos e/ou separação inadequada dos corneócitos ductais. Os fatores associados a comedogênese são principalmente (a) a composição anormal dos lipídeos sebáceos, onde principalmente os níveis do linoleato e do ácido linoleico estão diminuídos; (b) a presença da 5a-redutase I nas células do ducto pilossebáceo demandando maior ação androgênica local; (c) e alterações inflamatórias secundárias à interleucina 1a (IL-1a) produzida pelos queratinócitos ductais. Em relação ao papel do metabolismo de carboidratos na hiperqueratinização folicular, sabe-se que a insulinemia aumenta as concentrações de IGF-1 e diminui IGFBP-3 contribuindo para a hiperproliferação de queratinócitos no folículo.
Transtorno da secreção sebácea: O sebo constitui, juntamente com os lípides da queratinização, o filme lipídico da superfície cutânea. A composição do sebo em um indivíduo normal é, grosso modo, 57,5% de triglicérides e ácidos graxos livres, 26% de ésteres de cera, 12% de escaleno, 3% de ésteres de colesterol e 1,5% de colesterol. A hipersecreção sebácea é fator importante para o desenvolvimento da acne, sendo dependente dos hormônios sexuais androgênicos produzidos pelas gônadas e adrenais. Estes hormônios, principalmente a testosterona, levam a um desenvolvimento das glândulas sebáceas na adolescência. A testosterona, ao nível do receptor androgênico da glândula sebácea, é convertida pela 5-alfa-redutase em DHT (diidrotestosterona), que é mais potente, levando a um aumento do tamanho e da atividade da glândula. O aumento da secreção sebácea também pode ser vista na síndrome SAHA (Seborreia, Acne, Hirsutismo e Alopecia), na síndrome dos ovários micropolicísticos (SOAP) e na síndrome de Cushing.
Estresse emocional pode agravar a acne, talvez por alterações do ACTH e cortisol.
A acne no período pré-menstrual ocorre em 30% das mulheres. Isso decorre de aumento da secreção de sebo rica em ácidos graxos livres, diminuição dos óstios foliculares entre o 15º e o 20º dias do ciclo (possibilitando maior retenção do sebo) e aumento da progesterona nessa fase do ciclo.
Em relação à teoria da relação de fatores ambientais e acne, possivelmente o sebo seria o componente mais influenciado. A presença de hiperinsulinemia, geralmente secundária à ingestão excessiva de alimentos com alto índice e carga glicêmicos (por exemplo, açúcar branco), bem como a ingestão de leite e derivados, poderia estimular a produção de sebo diretamente. A hiperinsulinemia também pode, junto com o fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1), estimular a síntese de andrógenos por vários tecidos do corpo, os quais, sabidamente, também estimulam a produção de sebo.
Transtorno inflamatório: A origem da reação inflamatória é desconhecida e não é causada pela presença de bactérias na derme. O material comedoniano é capaz de atrair leucócitos mononucleares, bem como, se observa uma resposta inflamatória humoral (IL-1α, TNF-α e GM-CSF) dos queratinócitos à ação do P. acnes. Estas citocinas contribuem para a inflamação, a qual pode ser regulada por vários antibióticos usados no tratamento da patologia. O P. acnes pode ativar o sistema de complemento pela via clássica ou alternada, embora não ocorra imunocomplexos circulantes no soro.
Muito curiosa é a diminuição das quantidades de zinco sérico nos portadores de acne, sobretudo de padrão inflamatório. Postulou-se, então, que estes baixos níveis poderiam diminuir a capacidade de diferenciação epitelial, aumentar a produção sebácea e diminuir a resposta imune cutânea, contribuindo para a gravidade da acne, já que 20% de todo o zinco corporal encontra-se na pele.
Alterações da flora microbiana: Propionibacterium acnes é bactéria gram-positiva, anaeróbia, do gênero Corynebacterium, que faz parte da biota normal residente da pele, sendo o principal microorganismo envolvido na etiopatogenia da acne vulgar.Embora ocorra um significante aumento no número de P. acnes na pele acneica, não há correlação com a severidade da acne, ao contrário do que acontece com a secreção sebácea e a cornificação ductal, embora tratamentos que reduzam sua quantidade melhorem a doença. Hoje, acredita-se que o P. acnes desencadeia a resposta inflamatória por citocinas na acne através da ativação do TLR2 (Toll-like receptor 2), um componente do sistema imune inato do hospedeiro. Estas citocinas contribuem para atrair neutrófilos e liberar enzimas lisossômicas que promovem a ruptura folicular. As diferenças na resposta inflamatória do hospedeiro ao P. acnes ou a patogenicidade de cepas específicas de P. acnes que colonizam a pele podem contribuir para a variação na prevalência e gravidade da acne.
As bactérias não são necessárias para a iniciação da cornificação. A oclusão temporária de alguns comedões que se segue a uma maior hidratação cutânea, seguida de uma diminuição do fluxo sebáceo pode explicar a acne estival (aumento da perspiração no verão) e a acne pré-menstrual, sendo esta última devida à progesterona.
Fatores de risco
Dieta. De acordo com dados atuais não são recomendadas alterações dietéticas específicas, contudo, dados recentes sugerem que dietas com alto índice glicêmico podem estar associadas com acne (aumento da insulina e de andrógenos). Whey protein é uma fonte de proteína isolada do leite, sendo composta de níveis mais elevados de aminoácidos essenciais. Foi estabelecido que o leite e tais fontes de proteína podem provocar lesões acneiformes, pelo aumento da secreção sebácea.
História familiar. A influência genética na acne é muito importante, acreditando-se que ela seja maior quanto maior for o grau da dermatose. Para acne grau I, essa participação é de 88%; para a grau II, 86%; para a grau III, 100%. Em indivíduos sem acne, a ocorrência familiar é de 40%. A influência genética ocorre sobre o controle hormonal, a hiperqueratinização folicular e a secreção sebácea, mas não sobre a infecção bacteriana.
Resistência à insulina. Pode estimular a produção de andrógenos e está associada ao aumento do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), um achado que se relaciona à excreção de sebo facial aumentada.
Manifestações clínicas. Polimorfismo lesional é a característica da acne. Observam-se geralmente comedões, pápulas, pústulas, nódulos e abscessos na face, no dorso e face anterior do tórax, como detalhado pela imagem abaixo. Seborreia é uma característica frequente.
Segue abaixo (Tabela 01) uma classificação pormenorizada dos subtipos de acne mais comuns, de acordo com suas características clínicas.
Diagnóstico. O diagnóstico de acne vulgar é clínico, sendo a avaliação endocrinológica necessária em certos casos, uma vez que a maioria dos pacientes com acne tem níveis hormonais normais. A triagem hormonal deve ser realizada em pacientes com características clínicas ou história de hiperandrogenismo. Nas mulheres, a síndrome de ovários policísticos (SOP) é a causa mais comum de hiperandrogenismo, com as seguintes características: Irregularidade menstrual, hirsutismo, acne, cistos ovarianos, graus variados de resistência à insulina e acantose nigricans. Os sinais que sugerem excesso de andrógenos em crianças pré-púberes incluem: acne, odor corporal precoce, pelos axilares ou púbicos, crescimento acelerado, idade óssea avançada e amadurecimento genital.
Tratamento. O tratamento tem como função atuar nos pilares da etiopatogenia da doença já citados anteriormente, a saber: a) corrigir a hiperceratose folicular; b) diminuir a atividade das glândulas sebáceas; c) diminuir a população bacterina folicular; d) controlar o processo inflamatório.
Veja na Tabela 2 abaixo as principais disponíveis no Brasil indicadas para o tratamento da acne. Já a Tabela 3 apresenta as propostas de manejo da acne de acordo com sua gravidade segundo visão da Global Alliance to Improve Outcomes in Acne Group (J Am Acad Dermatol. 2009; 60(5 suppl): S1-50).
A terapia hormonal é uma excelente escolha para as mulheres com agravamento pré-menstrual da acne, acne na idade adulta, acne envolvendo preferencialmente a metade inferior da face e pescoço, associada à seborreia, hirsutismo (aumento de pelos em áreas incomuns), e irregularidades do ciclo menstrual, com ou sem hiperandrogenismo, e para jovens sexualmente ativas com acne inflamatória. Os contraceptivos orais combinados (ACO), contendo um estrogênio [etinilestradiol (EE)] associado a um progestágeno de segunda geração (levonorgestrel, noretindrona) ou de terceira geração (desogestrel, norgestimato e gestodeno), ou a um antiandrogênio (acetato de clormadinona, ciproterona, dienogeste, trimegestona e drospirenona), são frequentemente prescritos (Tabela 2). Contraceptivos só com progestágeno, incluindo o DIU com liberação de levonorgestrel, frequentemente pioram a acne e devem ser evitados em mulheres com acne sem contraindicações para estrogênios.
O acetato de ciproterona é um potente bloqueador de receptores androgênicos e também inibidor da ovulação.47 Apresenta ação progestínica e por isso é habitualmente associado ao etinilestradiol como contraceptivo. Pode ser utilizado isoladamente em doses de 25 a 100mg ao dia do quinto ao 14o dia do ciclo menstrual, porém a preferência é para doses baixas (2mg) combinadas com o etinilestradiol (35µg). A utilização dessa combinação vai provocar a melhora da acne da mulher adulta de modo lento, cerca de 30% ao final de três meses de uso, com excelente resposta (90%) ao final de 12 meses de uso e melhora de praticamente 100% ao final de 36 meses de uso. Já a e espironolactona é utilizada como diurético poupador de potássio, e também age como bloqueador de receptor de andrógenos. Demonstra efeito inibidor da enzima 5-α-redutase assim como da 17-beta hidroxiesteroide desidrogenase (17β-HSD). O ideal é que a espironolactona seja utilizada concomitante com o contraceptivo para evitar a concepção ou evitar os sangramentos interciclos (spots).